Essa resenha será escrita em inglês e português [PT-BR]
This review will be written in English and Portuguese [PT-BR].
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**Essa resenha pode conter spoilers**
Boy meets Maria e a dura jornada de descobrir quem realmente somos
Boy Meets Maria é simples e direto ao ponto, o autor usa do “Minimalismo narrativo” para eliminar tudo aquilo que não é essencial para contar sua história e para transmitir os sentimentos que precisam ser sentidos. Isso tem seus pontos positivos e negativos, mas fato é que Boy Meets Maria consegue abordar temas relevantes, que muitas vezes são abordados de uma maneira banal, mas aqui, isso é feito de uma maneira delicada e ao mesmo tempo brutal.
Como citei acima, essa obra consegue abordar seus temas com delicadeza e ao mesmo tempo de maneira visceral, e isso realmente é um grande feito, pois poucas vezes, ainda mais nessa indústria de anime e mangá, conseguimos ver um autor abordar temas tão delicados, como abusos na infância e identidade de gênero, de maneira tão “agradável” (se é que posso usar essa palavra), e ao mesmo tempo mostrar, da maneira mais gráfica possível, como esses temas podem impactar a vida de uma pessoa, seja de maneira mais lírica, mais idealizada digamos assim, ou da maneira mais física, mais “palpável”, sabe? Eguchi Kousei conseguiu nos mostrar esses impactos de ambas as maneiras, de tal forma que é até difícil distinguir ambas as formas de abordar o tema dentro da nossa leitura desse mangá.
Personagem é Rei!
Boy Meets Maria possui um plot relativamente simples, aqui temos um garoto, chamado Taiga, que acaba de iniciar seu ensino médio, e logo de cara se apaixona por uma pessoa, uma suposta atriz, que logo ele percebe que essa atriz que ele pensava ser uma mulher, na verdade é um homem, e a partir daí a história vai se desenvolvendo, mostrando as dificuldades de ambas as pessoas em lidar com essa situação. No geral, como disse, o plot é simples, mas o principal triunfo dessa obra é usar sua premissa simples para desenvolver seus personagens, ao ponto de que a premissa na verdade não importa tanto assim, essa história é mais sobre como os personagens atuam em cima dessa premissa, bem como a construção de suas personalidades, e como isso impacta na forma com que veem aquela situação, e isso norteia a forma com que vão lidar com as dificuldades em suas vidas.
Começando pelo Arima, ou “Maria”, de longe o personagem mais impactante, ele é quem realmente move a história, mas não de maneira literal, e sim “sentimentalmente” falando, sabe? Arima é um personagem muito calcado em seus traumas pessoais, pois mesmo tendo nascido como um homem, sua mãe, devido a seus próprios traumas e frustações, decide enxergar Arima como uma garota, o vestindo e o tratando como tal, fato esse que vai confundindo a cabeça de Arima, pois mesmo se sentindo como um garoto, e gostando de “coisas de garoto”, as pessoas o vê como uma garota, devido a sua aparência feminina, e lidar com tais sentimentos e pensamentos, aos seus 6 ou 7 anos, realmente podem traumatizar a vida de uma pessoa. Mas como se isso não fosse o suficiente, Arima acaba passando por uma das piores situações que uma pessoa pode passar, que é ser abusado sexualmente por uma pessoa próxima de você.
Esse fato, não é somente citado ao longo da história, mas ele é mostrado, de forma visualmente explicita, requadro após requadro, essa cena é mostrada, e certamente isso pode ter pego muitas pessoas de surpresa, me pegou de surpresa também, mas claramente aquela sequência de requadros não estão ali atoa, elas comprem uma função muito importante na história, que é nos mostrar o quão traumatizante é para o Arima passar por essa situação, junto de todos os sentimos dúbios que ele já tinha desde a sua infância, faz com que ele se feche sentimentalmente para certas coisas em sua vida, bem como o deixa com uma certa fixação de como as pessoas o vê, onde ao mesmo tempo que ele se vê como um homem, que gosta e se sente confortável em se portar como tal, pelo fato de sua criação, e também de seu medo de interpretar papeis masculinos no teatro onde atua, ele diz a si mesmo que é melhor que as pessoas o vejam como uma mulher, pois ele acredita que consegue se encaixar melhor no ambiente que frequenta sendo visto assim, sendo visto por um gênero no qual não se identifica totalmente.
Todos esses fatos juntos constroem a personalidade de Arima, uma pessoa indecisa sobre como se portar dentro da sociedade, uma pessoa confusa e que gosta de se mostrar confiante, uma pessoa que sente medo, angústia, inveja... Assim como todos não, não acha?
Arima é um personagem muito interessante, que traz a toma uma discussão importante, que é a identificação de gênero, e como isso pode impactar nossa vida em praticamente todas as esferas, pois isso, por muitas vezes, é o que norteia nossas relações sociais, pois as conversas que temos com nossos amigos do sexo masculino, provavelmente não será as mesmas que teremos com nossas amigas do sexo feminino. Então hoje, ainda é muito importante termos a clara noção se a pessoa que faz parte de nosso círculo social se identifica com seu sexo de origem ou não, pois isso felizmente, ou infelizmente vai definir como se dará nossa relação... Agora, se isso é uma coisa boa ou ruim, realmente não sei dizer.
Já sobre Taiga, eu o vejo como um personagem que cumpre uma função, e nada mais. Taiga tem o dever de trazer todas as discussões desse mangá à tona, pois ele se declara amorosamente para Arima, e mesmo sabendo que na verdade ele é um homem, isso não muda nem um pouco a maneira de como ele se sente referente ao Arima, e esse fato por si só, eu enxergo como um problema.
O fato de Taiga não refletir, nem por um segundo, o fato de Arima ser um homem, é uma contradição muito grande com o próprio background do personagem, pois é dito diretamente no texto desse mangá que Taiga é um personagem “superficial”, que prefere ver somente a superfície das pessoas, e claramente vemos que Taiga, mesmo que inconscientemente, é heterossexual, pois ele se apaixona à primeira vista pela aparência feminina de Arima, e mesmo após saber que Arima é um garoto, ele não liga nem um pouco para isso, e essa decisão do autor é muito estranho e pobre narrativamente, pois ele perdeu a oportunidade de trabalhar melhor no personagem do Taiga esse conflito de entender sua sexualidade, onde aos poucos vai se descobrir um bi sexual, talvez? Taiga simplesmente aceita o que lhe é imposto, sem mostrar uma reflexão sobre aquilo.
No fim do dia, acho que foi uma oportunidade jogada no lixo, pois trazer esses temas, como o preconceito intrínseco ao ser humano, e como podemos fazer para lidar e superar isso, bem como a descoberta da sexualidade na adolescência, seriam ótimos temas a serem debatidos, mas novamente, foi uma oportunidade jogada no lixo.
A arte surpreende, bem como a narrativa
Eu gosto muito da estética desse mangá, pois ao mesmo tempo que ela é “normal” e até mesmo um pouco “Genérica”, o autor conseguiu criar alguma personalidade em seu estilo artístico, devido a forma com que ele trabalha de maneira inseparável a arte da narrativa, e isso é algo muito difícil de explicar em palavras, mas vou tentar.
Geralmente, quando analisamos um quadrinho, temos o péssimo hábito de separar o que é texto do que é arte (eu mesmo faço isso as vezes), e nem sempre esse é o melhor caminho para analisar uma obra, pois geralmente, uma coisa está amarrada a outra. Nos quadrinhos, uma cena só tem impacto se tiver um bom enredo por trás, assim como uma boa história, ao menos nos quadrinhos, vai depender da arte conversar com o leitor, e quando isso ocorre, temos essa mistura maravilhosa, onde não conseguimos pensar a obra como arte e texto separados, pois tudo é uma coisa só. O autor construiu sua obra para ser uma coisa só, sabe? Então novamente, é difícil explicar meus sentimentos quanto a arte desse mangá, mas ela consegue ser única, mesmo sendo “genérica”, e isso é sensacional.
Não é genial, mas é acima de média
Boys Meets Maria é uma obra cheia de nuances, com um enredo carregado de sentimentalismo, identidade, e acima de tudo responsabilidade nos temas que aborda. O mangá consegue nos apresentar um personagem surpreendentemente tridimensional, narrativamente falando claro, com conflitos realmente interessantes, que trazem à tona temas muito pouco comentados nessa mídia de mangás e animes, como a identidade de gênero, a busca pela descoberta de si próprio, e acima de tudo, a mensagem de que nem sempre é fácil entender se quem somos é porque escolhemos ser, ou se aquilo foi construído por nossas influencias externas... Mas no fim, Boys Meets Maria sem dúvida alguma merece sua atenção.
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**This review may contain spoilers**.
The boy meets Mary and the hard journey of discovering who you really are
Boy Meets Maria is simple and to the point, the author uses "Narrative Minimalism" to eliminate everything that is not essential to tell his story and to convey the feelings that need to be felt. This has its good and bad points, but the fact is that Boy Meets Maria manages to address relevant issues that are often addressed in a banal way, but here, this is done in a delicate and at the same time brutal way.
As I mentioned above, this manga manages to approach its themes with delicacy and at the same time in a visceral way, and this is really a great achievement, because few times, even more so in this anime and manga industry, we can see an author approaching such delicate themes, like child abuse and gender identity, in such a "nice" (if I can use that word) way, and at the same time show, in the most graphic way possible, how these themes can impact a person's life, either in a more lyrical, more idealized way, let's say, or in a more physical, more "palpable" way, you know? Eguchi Kousei has managed to show us these impacts in both ways, in such a way that it is even difficult to distinguish both ways of approaching the theme within our reading of this manga.
Character is King!
Boy Meets Maria has a relatively simple plot, here we have a boy, named Taiga, who has just started his academic life at his new school, and soon falls in love with a person, a supposed actress, who soon realizes that this actress who he thought was a woman, is actually a man, and from there the story develops, showing the difficulties of both people in dealing with this situation. Overall, as I said, the plot is simple, but the main triumph of this manga is using its simple premise to develop its characters, to the point where the premise doesn't matter so much, this story is more about how the characters act on this premise, as well as building their personalities, and how this impacts how they view this situation, and this guides how they will deal with the difficulties in their lives.
Starting with Arima, or "Maria", by far the most impactful character, he is the one who really moves the story, but not in a literal way, but "sentimentally" speaking, you know? Arima is a character very much rooted in his personal traumas, because even though he was born as a man, his mother, due to her own traumas and frustrations, decides to see Arima as a girl, dressing and treating him as such, a fact that boggles Arima's mind, because even though he feels like a boy, and likes "boy things", people see him as a girl, due to his feminine appearance, and dealing with such feelings and thoughts, at the age of 6 or 7, can really traumatize a person's life. But as if this wasn't enough, Arima ends up going through one of the worst situations a person can go through, which is being sexually abused by a person close to you.
This fact, is not only mentioned throughout the story, but is shown, in a visually explicit way, frame after frame, this scene is shown, and certainly this may have taken many people by surprise, it took me by surprise as well, but of course the sequence of frames is not there for nothing, they buy a very important function in the story, which is to show us how traumatizing it is for Arima to go through this situation, along with all the doubtful feelings he already had since his childhood, makes him take a sentimental approach to certain things in his life, as well as leaves him with a certain fixation of how people see him, where at the same time that he sees himself as a man, that he likes and is comfortable behaving as such, due to the fact of his upbringing, and also his fear of playing male roles in the theater where he performs, he tells himself that it is better that people see him as a woman, because he believes that he can fit in better in the environment he attends being seen this way, being seen by a gender in which he does not fully identify. All these facts together build the personality of Arima, a person who is indecisive about how to behave within society, a confused person who likes to appear confident, a person who feels fear, anguish, envy... Just like everyone else, don't you think?
Arima is a very interesting character who brings to the table an important discussion, which is gender identification, and how this can impact our lives in almost all areas, because this is often what guides our social relationships, because the conversations we have with our male friends will probably not be the same as the ones we have with our female friends. So even today it is very important to have a clear sense of whether or not the person in our social circle identifies with their gender of origin, because this, happily or unfortunately, will define how our relationship will be. Now, whether this is a good or bad thing, I can't really say.
As for Taiga, I see him as a character who fulfills a function, and nothing more. Taiga has a duty to bring up all the discussions in this manga, because he declares himself lovingly to Arima, and even though he knows he is a man, this doesn't change how he feels about Arima, and that fact I see as a problem.
The fact that Taiga does not, even for a second, reflect the fact that Arima is a man is a very big contradiction to the character's own background, because it is stated directly in the text of this manga that Taiga is a "superficial" character who prefers to see only the surface of people, and we clearly see that Taiga, even if unconsciously, is heterosexual, because he falls in love at first sight with Arima's feminine appearance, and even after knowing that Arima is a boy, he doesn't care a bit about this, and this decision of the author is very strange and narratively poor, because he lost the opportunity to work better in Taiga's character this conflict of understanding his sexuality, where little by little he will discover himself as a bi-sexual, maybe? Taiga simply accepts what is imposed on him, without showing any reflection about it.
In the end, I think it was an opportunity thrown in the trash, because raising these topics, such as the prejudice intrinsic to human beings, and how we can deal with and overcome this, as well as the discovery of sexuality in adolescence, would be great topics to discuss, but again, it was an opportunity thrown in the trash.
The art surprises, as does the narrative
I really like the aesthetics of this manga, because at the same time that it is "normal" and even a little "generic", the author has managed to create some personality in his artistic style, due to the way he works inseparably the art of the narrative, and this is something very difficult to explain in words, but I will try.
Usually, when we analyze a comic, we have the bad habit of separating what is text from what is art (I do it myself sometimes), and this is not always the best way to analyze a manga, because usually, one thing is connected to another. In comics, a scene only has impact if it has a good plot behind it, just like a good story, at least in comics, will depend on the art talking to the reader, and when this happens, we have this wonderful mix, where you can't think of manga as separate art and text, because everything is one thing. The author has built his manga to be one thing, you know? Again, it's hard to explain my feelings about the art in this manga, but it manages to be unique, even though it's "generic," and that's great.
Not amazing, but above average
Boys Meets Maria is a work full of nuance, with a plot loaded with sentimentality, identity, and above all responsibility in the issues it deals with. The manga manages to present us with a surprisingly three-dimensional character, narratively speaking of course, with really interesting conflicts that evoke themes rarely discussed in these manga and anime media, such as gender identity, the quest for self-discovery, and above all, the message that it's not always easy to understand if who we are is because we chose to be, or if it was built by our external influences... But in the end, Boys Meets Maria definitely deserves your attention.